terça-feira, 29 de outubro de 2013

realidades alternativas


conte-me uma história que não me faça dormir.
ele disse sorrindo sem encará-la. simplesmente olhava para o teto do quarto escuro.
ok, vou contar então. sabia que em outra realidade há um brasil que não fala português mas, sim, um norte que fala holandês e um sul francês? E que nela eu seria uma vadia total porque meu pai teria abandonado minha mãe e eu teria o que os psicólogos conhecem como "transtornos paternos". e, hm, deixe-me ver como você seria...acho que viraria um brasileiro-francês metido e fugiria para o lado holandês do país só para fumar uma (gargalhadas frenéticas).
ei, eu não seria assim! sabe como eu seria? eu passaria em um concurso público e seria muito rico (orgulhoso, peito estufado e tudo mais).
mas assim não faz sentido, essa deveria ser a realidade alternativa mais sombria de nossas existências e assim ela não seria uma. ou seria?
seria.
que exagero. e na realidade alternativa mais feliz de sua existência como você estaria?
já estou nela...aqui com você (recebendo um soco no braço).
idiota (pensando: por que caras tinham que dificultar as coisas?).

frágil reflexo

art by dawn blair

o espelho tinha caído. a criança ingênua olhou para cima tentando recuperá-lo, mal sabendo que ele já estava no chão. estava quebrado e não havia nada a ser feito. ao olhar em seus reflexos distorcidos visualizou sua alma. viu uma garota pequena fazendo o possível para chamar a atenção de quem mais lhe importava no mundo. viu-o ignorá-la. a criança dançava, pulava, fazia estripulias e piadas em vão, porque apesar de tudo não conseguia captar seu olhar por muito tempo. tirou um dez e descobriu que isso o tinha feito vê-la, quem sabe até admirá-la! seria isso então. faria de tudo para ser a melhor em tudo, não para si mas pra ele. o tempo foi passando e a pequena menina nunca entendia o porquê da urgência de agradar a todos, a insegurança, o medo de não ser o que esperavam de si. buscou em suas profundezas e tentou remendar o espelho. juntou-o, colou-o. mas apesar de tudo ainda estava quebrada, e na ausência daquele que mais amava sempre poderia ver as rachaduras em seu frágil reflexo.

domingo, 20 de outubro de 2013

a bailarina e o coala



refletores a encaravam e ela tentava se esconder entre a multidão de seres industriais. seu metal era feito de pétalas e tudo o que ela queria era ser uma pivotante. desceu. afundou suas entranhas nas entranhas da terra e lá deparou-se com um coala colorido, pelo menos com as suas costas. fez de tudo para vê-lo, ansiava conhecer suas cores, há quanto tempo estava ali embaixo e se também não gostava dos seres de cima. fez o que se recusava a fazer sob os refletores para despertar-lhe a atenção. dançou. talvez ela não quisesse vê-lo, talvez apenas quisesse que ele a visse. rodopiou tanto que fez calos nos pés e a falta de diligência do outro a aborreceu. já não se sentia confortável, asfixiava por espaço e sufocava por luz. a terra a engolia. rasgou suas raízes axiais e jogou-as na cabeça do animal indiferente, que finalmente se virou. ele tinha os punhos fechados e encostou a mão nos punhos dela, que estavam abertos. "o que faz aqui?" ela perguntou mas ele se virou e continuou a vegetar em sua estática imprudência. cansada, decidiu subir e dançar lá em cima. as luzes já não a incomodavam e suas estruturas primitivas precisavam crescer para retirar oxigênio diretamente do ar.