quinta-feira, 27 de março de 2014

dicotomia dos amores impossíveis

amo ser platônica
amo amar platonicamente
assim te crio e recrio dentro de mim
pra quê falhas e defeitos se a gente pode
alcançar a perfeição num estalido de sinapses
amo-te como ilusão
amo-te como criação
personagem inalcançável
vilão do meu coração

quarta-feira, 26 de março de 2014

campo de concentração

art by Erte

Evitavam encarar nos olhos uns dos outros. Neles viam a si mesmos. Seres secos, cansados, duros e tão rachados quanto as rochas do Cerrado. Se ver no outro os incomodavam tanto.
Estavam presos em uma caixa de sapatos, abafada e negligenciada, que eles mesmos tinham pagado para ficar. 
Os ombros caiam-se sobre os corpos.
As laterais da caixa embaçavam-se.
As pernas pediam/gritavam para ir embora o mais rápido dali. Mas ir/correr para onde? Ter um surto psicótico, quebrar as laterais da caixa e jogar-se no vão em movimento? Fugir para os sertanejos nos ouvidos, para a internet nos smartphones, para a conversa banal com conhecidos, para a alternância entre encarar os pés, escondidos por sapatos desconfortáveis - desconfortáveis pela a manutenção do peso do corpo por mais tempo do que deveria na posição vertical - e tentar encarar a paisagem lá fora. Tentar, porque não a enxergamos realmente, a caixa de sapatos também limita a nossa visão, que cega. 
Enquanto isso, a Inveja, filha da Cegueira, andava entre eles, de salto alto e aplique nos cabelos (sem contar o exagero do blush). Ria dos que se seguravam para não cair enquanto ela desfilava pelo corredor com um equilíbrio impecável. Ali, onde menos da metade dos mulambentos tinham a alegria (e sorte) de irem sentados enquanto outros agonizavam em pé, ela era rainha. Não é inveja, é que eu queria tanto ir sentada.
A caixa de sapatos era um verdadeiro campo de concentração moderno.  Daquele que é tão cruel que mata aos pouquinhos e que faz questão de torturar uma certa classe social rotineiramente. Porque eles não têm escolha.
Há muito tempo a sentença foi dada e a caixa de sapatos é o cumprimento de pena que menos privilegiados  são obrigados a pagar.
Desamparados, só os resta acreditarem que são livres.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Na velocidade da luz

Devo ter algum problema porque só me expresso intensamente. Se for para gritar grito muito, para pular caio de cara. Parece que não me importo, mas acontece que sim. Se não é para ter nada não terei. Mas se for para ouvir rock em alemão, já compro logo a discografia completa. Comigo é assim, não dá para pegar leve com as coisas. A minha ansiedade não permite. Quero tudo e quero já. Quero alguém para me passar as suas músicas favoritas, quero alguém para abrir meu katchup e maionese, quero alguém que jogue videogame comigo e que me empreste seus livros. Quando não estou nem aí para isso fica tudo bem mas acontece que sempre há tempos assim em que fico super extremista e a velocidade de meu corpo ultrapassa 300.000km/s. Vem logo, por favor não se demore. Preciso de aconchego, preciso de sossego. Venha logo.

acorda, menina


vai lá
se resguardar
vai lá
se esconder
do mundo
não percebe
que ele quer te vê?
não percebe
que ele quer você?
a Terra exige
a sua presença
não só física mas
mental, suada, fragilizada e
escancarada para o mundo
levanta que faz é tempo que o
despertador já tocou

segunda-feira, 10 de março de 2014

are you the one?

será você aquele que me protegerá de todos os males que esse mundo cruel e vil vier atentar contra mim? aquele que me socorrerá quando algo ruim acontecer, quando um bom livro acabar, quando um hiato aparecer? será que poderei contar com você para manter os meus segredos mais obscuros e ouvir aos meus falatórios sem fim sobre como a j'amie é maneira sem me julgar e olhar feio? será que a nossa compatibilidade se mostrará no fim? só nos resta esperar até que esse reality show cafona finalmente se acabe e entremos na cabine do amor onde uma máquina nos analisará e dirá se realmente somos compatíveis ou não. Assim poderemos enfim curtir a nossa merecida lua de mel no havaí ou seremos então condenados à humilhação dos outros da casa, que rirão de nossos esforços vãos de nos mantermos juntos. Afinal de contas se uma máquina nos falou que não somos um par perfeito quem somos nós para discutir?

sexta-feira, 7 de março de 2014

Por mais que você queira escapar de uma situação, às vezes você simplesmente não consegue. Não importa o quanto você tente fugir.
O amor é assim.
Uma espécie de força maior que você, que te puxa e que te envolve te deixando sem saídas.
E o engraçado é que por mais que se saiba que amor e ódio são obviamente antônimos, eles sempre andam juntos . Você sabe que você ama alguém quando se sente livre para discutir com essa pessoa, brigar e se estabanar com ela. Agora, por outro lado se você prefere ignorar uma pessoa, em vez de argumentar com ela e tentar fazê-la te entender, então é porque muito provavelmente você não se importa com ela. É diferente de evitar confrontações, é claro.
Veja bem, qual é a pessoa que você mais briga nesse mundo? Seu irmão (se não tiver um, provavelmente brigaria se tivesse).
E as pessoas que mais brigam com você nessa vida? Seus pais.

Todos esses são também os que mais te amam nesse universo. Vê a lógica?
eu te amo

como desaparecer completamente




Esse mundo não foi feito para mim. Eu vago pelas ruas, esquecida. Vejo os carros passando indiferentes à minha indiferença. Deito no chão duro de concreto e fecho os olhos. Imagino estar em outro lugar. Onde os barulhos das buzinas e do tráfego não são maiores que os barulhos dos meus pensamentos. Penso em uma vida que não é minha. Onde eu pudesse caminhar tranquila, admirar o que é bonito sem ser perturbada, criticada, rechaçada. Queria poder andar na grama verde que fica por baixo dos prédios cinzas. Mas há uma placa que me impede de fazê-lo. Há regras que me impedem de ser, me obrigam a res. A fazer o que não quero, a ser ao contrário, a ser outra pessoa. Não estou aqui. 'Isso' que se move e que vos fala não sou eu, foi criado e projetado pra ser assim. Ando despercebida procurando a minha essência que se perdeu antes mesmo de começar a existir.

bloody motherfucking asshole


No dia que Júlio queimou a casa eu estava dentro.
Ele usava um terno preto e eu estava de pijamas. Discutimos um pouco sobre política, sempre fazíamos isso na hora do jantar. Mas dessa vez fora diferente. Ele estava distante, não conseguia se concentrar na conversa. Desisti de humilhar seu governo e ele desistiu de mim. Limpou a boca com seu guardanapo, levantou-se elegantemente da mesa e pediu-me licença.
-Já terminou? - perguntei olhando para seu prato de comida, que ainda estava cheio.
-Sim.
-Mas seu prato ainda está cheio, querido. Não vamos desperdiçar comida!
-Eu não estava falando da comida. Aliás tenha uma boa noite e durma bem, minha querida.
-Mas que porra é essa?

E explodimos juntos.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Ataque de Pânico

Tinha saído. O sanatório interno que a abrigava tinha aberto seus portões. Sentia-se bem.
Caminhava sem calos nos pés, sorria sem aparelhos nos dentes.

O vento a ajudava a se reerguer, a seguir em frente. Sua brisa a confortava e por isso o tomava como amigo particular. Era só seu e ao mesmo tempo do mundo inteiro. Não gostava de ter que dividir sua graça com os outros mas como prenderia algo que nem forma física concreta tinha? O jeito era deixá-lo ir (e voltar), ir (e voltar), repetidas vezes até cansarem (se). Às vezes percorria seus cabelos, deixando-a arrepiada, e às vezes a empurrava, brusco em sua força, carregando-a para longe (longe dali). Temia a vinda de um redemoinho mas logo se acalmava pois confiava nele, o vento não a deixaria na mão. Mas apesar de suas palavras algo não fazia sentido. Eram as suas ações. Sentia a pequena queda na pressão atmosférica do ambiente e de repente não estava bem. Algo tinha entrado e fincado suas garras dentro de si. Aquilo não estava certo, tinha que fazer alguma coisa a respeito. Tudo era inverso, revertido. Como uma águia que cria brânquias ao redor da face e uma meditação que em vez de calma só traz medo. Redemoinho. Tornado. Furacão. Tudo de uma vez. Naquela noite não houve amanhã nem manhã, apenas duas noites que se seguiram. Uma tempestade impetuosa se fez dentro de si e o ar livre que avistava se transformou em um cubículo que se fechava cada vez mais ao seu redor. Arfava, por que você estava fazendo isso comigo? Sufocava, o que você queria afinal? Deitou-se no chão, segurou a barriga. O medo que sentia era tão forte que chegou a vê-lo. Sangrava. Queria uma explicação porque a sua realidade não era a mesma da do vento e o que ele via ela ansiava descobrir. O choque elétrico enfim veio e naquela manhã, a sucessora das duas noites que se seguiram, as pílulas desceram e as paredes choraram por terem que sufocar algo que era predestinado a viver.