terça-feira, 1 de dezembro de 2015

[há muitas coisas que admiro em você
sua doçura, sua coragem, sua ternura
seu afeto
a forma como suas mãos perpassam meus cabelos
seu sorriso tão grande e sincero que mal cabe a boca]

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abri a janela do meu peito e dei de cara com você
rápido tentei me fechar, tentei me esconder
a hierarquia social culturalmente preestabelecida
me assustava e de sua visão busquei saída
mas já estavas lá
com seu sorriso largo e olhar penetrante
deixei entrar
“ignore a bagunça”, avisei
“como se eu vim aqui para bagunçar?”
teu peito de dores teu peito de flores
tua cama de solteiro teu espaço no sofá
esbravejei, “assim não dá! Apertadinho assim vai incomodar!”
achei difícil compartilhar tanto
encostastes a cabeça na minha,
os pés ultrapassavam o tamanho da cama,
ocupavas mais espaço do que eu gostaria
e disse, “ninguém falou que amar seria fácil, mas que valeria”

Ô se vale

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

À um amigo

Menino sereno, menino sabido
Sofria demais porque sabia demais
Quando vemos a real face da humanidade
Fica difícil sorrir às vezes

Avistei um pixo seu no muro da cidade
Fostes embora mas estás em tudo
Minha mente é um gatilho de memórias
Que a cada estímulo te desperta

Fostes um anjo
Conversas filosóficas pela madrugada
Companheiro de lutas políticas
Desafiador da minha antiga monotonia

Viver é duro e não há justiça no mundo
O lugar em que estamos é horrível demais
Tinhas que ir

Mas sei que ainda estás aqui comigo
Nos pássaros que cantam
Nos skatistas que andam
Nas folhas carregadas pelo vento

No sereno da brisa matinal

sábado, 8 de agosto de 2015

Sobre a saudade

Parece que estás aqui ao meu lado
Quase consigo ouvir suas gargalhadas retumbantes
Às vezes sinto seu perfume marcante no recinto
E imagino seu sotaque sussurrando qualquer coisa que seja em meu ouvido
Poemas, obscenidades, receita de bolo
Relembro suas mãos percorrendo o meu corpo como um viajante percorre estradas em busca de aventuras
Suas carícias que sobre mim pousavam como beija-flor em flores cheias de nectar
Sua altura que me obrigava erguer o queixo para contemplar tamanha paisagem que é a sua presença
Com estas imagens,
Sorrio sozinha e aprecio a beleza que foi te conhecer

A vida tem dessas coisas

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Chegará o dia

Algumas almas nascem marcadas,
São paridas no ringue
Crescem em tatames
Envelhecem em campos de guerra
Aprendem a ter a dor como velha amiga
O sofrimento como companheiro de quarto

Mas chegará o dia

Estes corpos cansados desde a nascença
Enfrentam a insensatez dos desrespeitos diários
que se impõem como marteladas na cabeça
Chacoalhadas nos ombros
Chicotadas nos troncos
Batons nos lábios

Mas nunca esqueça,
Chegará o dia

Algumas almas nascem grandes.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Canções do mundo

Mil histórias que voam pelo ar
Notas de farfalhar
Quem compõe o vento?
Conto ouviu o sabiá proclamar
Bem-te-vi que canta faz pombo dançar
Eu canto e conto o que vi
Ou-vi e vi-vi, viu?
Cada canto en-canto

Cada burbúrio, um piar

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Coisas do mar

Salva-dor, me deixastes doente.
Pisei na sua terra de mar, meu coração de galhos secos sofreu com tanto sal. À beira do leito, avistei uma brisa, que corria no vento, queria me carregar. Era como uma onda, não sabia se ia ou ficava. Eu sabia que queria ficar. Tantas idas e empurrões, me afogaram. Senti mais de uma vez o sal nos olhos.

É que o mar não entende. O cerrado é seco mas é sensível.

Explorei a cidade noturna em busca. Coletei conchas bonitas, pedras raras, caracóis de cabelos curtos. Porque a noite é escura como um nego, mas também é solitária só com o luar. Ouvi dizer que um dia o mar vem fazer visita. Com sua mala de algas e seu cheiro de brisa.

Cultivemos.

O cerrado dentro de mim pega fogo. O mar dentro de você tira onda.
E tudo o que eu quero é um mergulhinho, uma orla para me aconchegar. Mas Okô disse que a minha horta vai vingar.

Cativemos.

Um dia, água doce transbordará em meu peito pesca-dor.

quinta-feira, 26 de março de 2015

submersão

a caixa d'água caiu sobre mim de novo
desabou o teto em cima da minha cabeça
a poeira me subiu inteira
estado de abandono
experiência de quase-vida
buraco no teto, cimento nas costas
água em todos os lugares
sempre há um momento em que tudo despenca
a caixa, o teto, os interiores
os sapatos encharcados não mais que os olhos
quem limpará tamanha bagunça?
o que mantém uma casa de pé?
telhas não seguram cachoeiras
que destroem toda a decoração
as cortinas persas
os móveis de madeira maciça
o sofá velho, estofado antigo
a TV de 55 polegadas
de nada servem
tentei esconder o rio embaixo do tapete
mas a correnteza era forte demais
a casa implodiu em um dilúvio
tal qual noé sem a barca
intro-submersão

sábado, 21 de março de 2015

meu olhar tropical não alcança essa gente árida
uma inútil que assiste a tudo
como se fosse mais um programa de TV
antes fosse novela
onde é que a paz foi se meter?
disseram que foi vista turistando por países do primeiro mundo
selfies no coliseu e tudo mais
e os outros mundos onde é que eles estão?
Não estão no canal 10.
paz é celebridade requisitada
terrorismo na frança, cobertura ao vivo
chacina na nigéria? cobertura ao morto
eles que lidem com o anonimato
espetáculo sobre espetáculo
pauta de manchete, tom cruise está em damasco!
parem os canhões, abaixem os fuzis
escondam os corpos que as câmeras estão ligadas
luz, câmera, apatia!

se hoje tudo fosse ficção
talvez bomba fosse só sanduíche
e as criancinhas mortas tivessem dublês
diante de tanto circo, te pergunto:
com quantos infernos se constrói o nosso céu?


sexta-feira, 13 de março de 2015

minhas pupilas estão gastas de pólvora
na avenida, os passos firmes, alicerces, sozinhos
as pálpebras apertaram o gatilho
apareceram duas sombras em meu caminho
um grita em meu ouvido louvores e aclamações
o outro sussurra em meus quadris palavras que só a pele consegue escutar
não, não voltarei para o capim seco e para a mata alta
mas também não me enganarei com ilusionistas e belas canções
não quero migalhas
mas também não quero rojões

um xêro no cangote é pedir muito?

domingo, 1 de março de 2015

devora-me ou eu te desfaço

eu não queria tomar banho
para não tirar o teu perfume do cabelo
dancei sozinha antes de passar o shampoo
boba com aquele cheiro
parecia uma criança no balanço que anseia o frio na barriga
mas que hora ou outra vai cair
um equilibrista bêbado que dança na corda bamba
e esquece que o vento forte há de vir
não faço bruxaria por usar anéis quase mágicos
mas você ainda é um enigma para mim
introspectivo, esperto, às vezes arlequim
galanteador outrora
esfinge que não consigo decifrar
e que por isso sempre me devora
RAWR

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

meia-noite e a tua respiração ofegante em meu ouvido
lutamos por uma conexão espiritual antes que nos apaguem os sentidos
o suor escorrendo pelo corpo, a noite só reserva o perigo
tu corrias desesperado tudo o que querias era abrigo
e eu estava ali
a alma perigosamente serena
o corpo atenciosamente no aguardo
protocolos e segundas intenções seguidas sem cuidado

tire os sapatos, a dança vai começar

encarar a morte

coloquei um vestido vermelho
para aparentar força, poder e quem sabe desejo
sentei na cadeira à sua frente e esperei
doenças sumirem, governos caírem, rugas aparecerem
esperei sobretudo
tinha a calma de uma pantera
minutos antes de abater a sua presa singela
mais uma vítima da íris penetrante
mas o espectro observado é o observante
e de nada adianta projetar ilusões
te encarei com fervor
teu relógio contava o tempo alto demais
mas mais alto ainda é a consciência
que insiste em lembrar da tua presença
toca na ferida, cospe na cara
desde criança tua presença me afaga
seu olhar é um lembrete
compreensão primeira
se amanhã desapareço
hoje me faço inteira


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

o canto de uma madrugada

que o vazio que perpassa meu corpo hoje
amanhã se faça plenitude
e não defina a minha existência
como tristeza dor e agonia

o que é da vida senão sofrer?
Sofrer sentir dor às vezes alegria
estou cansada já é noite
e a minha alma continua vazia

contudo às estrelas que chegam às vezes me trazem uma calma
algo como um afago, a sobrevivência de um dia
se tardo sozinha ou se amanheço
se canto aos ventos ou se entristeço
tenho a carne viva como companhia

o que pra mim já é o suficiente
afinal de contas se vivo incandescente
se só sei sentir à flor da pele
o frio que maltrata a alma ardente
a raiva que faísca entre os dentes

é porque tenho apreço ao que mata, à vida

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

anemia profunda

hoje acordei e dei de cara com a minha hipocrisia
escancarada no espelho
nem o rímel barato ou o batom vermelho esconderam
aquela que me encarava afiada, o hálito cheirando a medo
sentia o corpo pesar, a alma fincar os pés no chão
o desespero que nos faz aceitar a cruel e preterida condição
a carne é fraca mas a mente é mais ainda
dar murro em ponta de faca
c'est la vie, minha querida
só mais um peixe que segue o cardume
que não concorda mas que segue por puro costume
andar pelas ruas e ver a solidão
ir para o bar beber inquietação
discursar revolução, três horas e nenhum verbo
não agir, aparentar ser, toda ideologia tem seu credo
mas não ligue a tv no domingo,
não aja como se tudo fosse um simples mal entendido
você ainda compra sacolas e sacolas no natal
a pirâmide precisa da sua base fiel afinal
hoje acordei e dei de cara com a minha apatia
a consciência que entrelaça o poema
sonhei com teu sorriso desmedido e achei que um beijo poderia derrubar um sistema
quem dera eu, quem dera eu que a simplicidade fosse revolucionária
a anemia autodiagnosticada
o medo transformado em ação direta, a cara lavada
ressurgir e construir armaduras no peito, pistolas nos dentes
a luta a gente trava todo dia, o peixe que nada contra a corrente
por mal me fales, começarei por todos os lugares
hoje acordei simplesmente.