quinta-feira, 26 de março de 2015

submersão

a caixa d'água caiu sobre mim de novo
desabou o teto em cima da minha cabeça
a poeira me subiu inteira
estado de abandono
experiência de quase-vida
buraco no teto, cimento nas costas
água em todos os lugares
sempre há um momento em que tudo despenca
a caixa, o teto, os interiores
os sapatos encharcados não mais que os olhos
quem limpará tamanha bagunça?
o que mantém uma casa de pé?
telhas não seguram cachoeiras
que destroem toda a decoração
as cortinas persas
os móveis de madeira maciça
o sofá velho, estofado antigo
a TV de 55 polegadas
de nada servem
tentei esconder o rio embaixo do tapete
mas a correnteza era forte demais
a casa implodiu em um dilúvio
tal qual noé sem a barca
intro-submersão

sábado, 21 de março de 2015

meu olhar tropical não alcança essa gente árida
uma inútil que assiste a tudo
como se fosse mais um programa de TV
antes fosse novela
onde é que a paz foi se meter?
disseram que foi vista turistando por países do primeiro mundo
selfies no coliseu e tudo mais
e os outros mundos onde é que eles estão?
Não estão no canal 10.
paz é celebridade requisitada
terrorismo na frança, cobertura ao vivo
chacina na nigéria? cobertura ao morto
eles que lidem com o anonimato
espetáculo sobre espetáculo
pauta de manchete, tom cruise está em damasco!
parem os canhões, abaixem os fuzis
escondam os corpos que as câmeras estão ligadas
luz, câmera, apatia!

se hoje tudo fosse ficção
talvez bomba fosse só sanduíche
e as criancinhas mortas tivessem dublês
diante de tanto circo, te pergunto:
com quantos infernos se constrói o nosso céu?


sexta-feira, 13 de março de 2015

minhas pupilas estão gastas de pólvora
na avenida, os passos firmes, alicerces, sozinhos
as pálpebras apertaram o gatilho
apareceram duas sombras em meu caminho
um grita em meu ouvido louvores e aclamações
o outro sussurra em meus quadris palavras que só a pele consegue escutar
não, não voltarei para o capim seco e para a mata alta
mas também não me enganarei com ilusionistas e belas canções
não quero migalhas
mas também não quero rojões

um xêro no cangote é pedir muito?

domingo, 1 de março de 2015

devora-me ou eu te desfaço

eu não queria tomar banho
para não tirar o teu perfume do cabelo
dancei sozinha antes de passar o shampoo
boba com aquele cheiro
parecia uma criança no balanço que anseia o frio na barriga
mas que hora ou outra vai cair
um equilibrista bêbado que dança na corda bamba
e esquece que o vento forte há de vir
não faço bruxaria por usar anéis quase mágicos
mas você ainda é um enigma para mim
introspectivo, esperto, às vezes arlequim
galanteador outrora
esfinge que não consigo decifrar
e que por isso sempre me devora
RAWR