sábado, 10 de maio de 2014

1ª Sinfonia de Babel – O Pandemônio

Prelúdio

O maestro entra na rodoviária e se encaminha para o centro do palco. A vareta (denominada “batuta”) em mãos e o coração na boca. A espera prolongada. O silêncio do público gerava uma calmaria disfarçada. Por dentro morriam-se todos. Mas o auto-controle era essencial. O sossego era tanto que não podia ser real.1-2-3, dado o sinal o maestro inicia os gestos compassadamente treinados. Mantém-se com a coluna reta, a postura era essencial. Sentia um vento inquietante passar pela nuca e inflava-se, iria começar.

Interlúdio

A orquestra começa a trabalhar, o piano se levanta mansinho e o violino surge penetrante. No início era tudo um fluído aquoso. O meio já era um tanto violento. Os instrumentos se dividiam na sonata e cada um lutava para se sobrepor. O centro é muvuca, o centro é brutal. O violoncelo, grande como era, empurrou a viola pro canto. Tinha que aparecer, conquistar seu lugar no mundo. A trompa, que já estava enfurecida esmagou a clarineta. Todos queriam ser ouvidos e batalhavam entre si. Cordas se entrelaçavam, salivas se cruzavam. As portas do inferno tinham se aberto. Mas era só a rodoviária.

Poslúdio

O quadro estava tão caótico que já não era musical, era Picasso. Cefaleia total, os instrumentos tinham se insubordinado aos músicos que não faziam nada senão lamentar. Fá-Sol-Lá-Si, muita dó. Música abstrata, um empurra-empurra de notas, Guernica. Nisso, o contrabaixo surge fortíssimo, em um tom de vingança. A roda não passará sobre minha cabeça e muito menos alguém meterá a mão na minha cara! Afirmou o maestro, utilizando a batuta como espada. Mas já era tarde de mais porque a música tinha atingido o seu ápice final e os instrumentos tinham passado por cima de todos como cavalos a procura da tão cruel sobreposição dos seres.


Mas em cima de mim ninguém fica! Rugiu o maestro, embaixo de um piano, e a música se acaba com todos ao chão.