Prelúdio
O maestro entra na rodoviária e se
encaminha para o centro do palco. A vareta (denominada “batuta”)
em mãos e o coração na boca. A espera prolongada. O silêncio do
público gerava uma calmaria disfarçada. Por dentro morriam-se
todos. Mas o auto-controle era essencial. O sossego era tanto que
não podia ser real.1-2-3, dado o sinal o maestro inicia os gestos
compassadamente treinados. Mantém-se com a coluna reta, a postura era
essencial. Sentia um vento inquietante passar pela nuca e inflava-se,
iria começar.
Interlúdio
A orquestra começa a trabalhar, o
piano se levanta mansinho e o violino surge penetrante. No início
era tudo um fluído aquoso. O meio já era um tanto violento. Os
instrumentos se dividiam na sonata e cada um lutava para se
sobrepor. O centro é muvuca, o centro é brutal. O violoncelo,
grande como era, empurrou a viola pro canto. Tinha que aparecer,
conquistar seu lugar no mundo. A trompa, que já estava enfurecida
esmagou a clarineta. Todos queriam ser ouvidos e batalhavam entre si.
Cordas se entrelaçavam, salivas se cruzavam. As portas do inferno
tinham se aberto. Mas era só a rodoviária.
Poslúdio
O quadro estava tão caótico que já
não era musical, era Picasso. Cefaleia total, os instrumentos tinham
se insubordinado aos músicos que não faziam nada senão lamentar.
Fá-Sol-Lá-Si, muita dó. Música abstrata, um empurra-empurra de
notas, Guernica. Nisso, o contrabaixo surge fortíssimo, em um tom de
vingança. A roda não passará sobre minha cabeça e muito menos
alguém meterá a mão na minha cara! Afirmou o maestro, utilizando a
batuta como espada. Mas já era tarde de mais porque a música tinha
atingido o seu ápice final e os instrumentos tinham passado por cima
de todos como cavalos a procura da tão cruel sobreposição dos
seres.
Mas em cima de mim ninguém fica! Rugiu
o maestro, embaixo de um piano, e a música se acaba com todos ao
chão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário