quarta-feira, 26 de março de 2014

campo de concentração

art by Erte

Evitavam encarar nos olhos uns dos outros. Neles viam a si mesmos. Seres secos, cansados, duros e tão rachados quanto as rochas do Cerrado. Se ver no outro os incomodavam tanto.
Estavam presos em uma caixa de sapatos, abafada e negligenciada, que eles mesmos tinham pagado para ficar. 
Os ombros caiam-se sobre os corpos.
As laterais da caixa embaçavam-se.
As pernas pediam/gritavam para ir embora o mais rápido dali. Mas ir/correr para onde? Ter um surto psicótico, quebrar as laterais da caixa e jogar-se no vão em movimento? Fugir para os sertanejos nos ouvidos, para a internet nos smartphones, para a conversa banal com conhecidos, para a alternância entre encarar os pés, escondidos por sapatos desconfortáveis - desconfortáveis pela a manutenção do peso do corpo por mais tempo do que deveria na posição vertical - e tentar encarar a paisagem lá fora. Tentar, porque não a enxergamos realmente, a caixa de sapatos também limita a nossa visão, que cega. 
Enquanto isso, a Inveja, filha da Cegueira, andava entre eles, de salto alto e aplique nos cabelos (sem contar o exagero do blush). Ria dos que se seguravam para não cair enquanto ela desfilava pelo corredor com um equilíbrio impecável. Ali, onde menos da metade dos mulambentos tinham a alegria (e sorte) de irem sentados enquanto outros agonizavam em pé, ela era rainha. Não é inveja, é que eu queria tanto ir sentada.
A caixa de sapatos era um verdadeiro campo de concentração moderno.  Daquele que é tão cruel que mata aos pouquinhos e que faz questão de torturar uma certa classe social rotineiramente. Porque eles não têm escolha.
Há muito tempo a sentença foi dada e a caixa de sapatos é o cumprimento de pena que menos privilegiados  são obrigados a pagar.
Desamparados, só os resta acreditarem que são livres.

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